terça-feira, 12 de março de 2013

A origem e os naturalistas

Posted by Hijikata Toshizou on 11:48 with No comments

A partir de Aristóteles, a tradição filosófica considerou como filósofos os primeiros pensadores gregos, que apareceram no início do século VI a.C. no litoral das colônias da Ásia menor, mais precisamente na cidade de Mileto: Tales, Anaximandro e Anaxímenes. É difícil apontar as causas do nascimento da Filosofia na Grécia antiga, já que existem várias explicações diferentes e até mesmo divergentes. Mas as perguntas que geralmente se faz são: quais foram as condições históricas e culturais que proporcionaram o surgimento da Filosofia nas colônias gregas asiáticas? Por que ela não nasceu em qualquer outro lugar? Não é possível citar todos os fatores que respondem a elas, mas podemos apontar alguns que certamente foram essenciais.
Fatores políticos: Entre os séculos VIII e VII a.C., as tribos e os vilarejos gregos se organizaram em pequenas cidades-estados, denominadas pólis, politicamente autônomas e independentes entre si, e em constantes relações de amizade ou de guerras ferozes. Embora do ponto de vista político não houvesse um poder grego centralizador, essas comunidades, em sua maioria, preservavam uma identidade grega no que se refere à arquitetura, ao planejamento urbano, ao idioma, à literatura e à religião. A pólis, desde o seu início, foi marcada pela vida social e pelas relações políticas entre os homens. Pode-se dizer que os gregos tinham um grande senso comunitário. Os cidadãos participavam da criação das leis e da vida pública, conquistando direitos políticos. Nesse contexto, destaca-se uma extraordinária presença da palavra como instrumento de participação política. Isso alimentou um ambiente de discussão, de argumentação e de persuasão racional entre os cidadãos.
O cidadão passou a ser respeitado e valorizado em seu discurso, em seu pensamento e em sua participação. Com isso, os homens puderam tomar decisões justificadas racionalmente, explicar os motivos de sua ação e dialogar sobre as coisas. Os gregos contavam assim com uma maior liberdade política em relação aos povos orientais. Eles se constituíram como o primeiro povo a criar instituições políticas livres e a adotar sistemas de discussões abertas. Com a grande liberdade de pensamento, expressão e decisão por parte dos homens sobre os rumos de sua existência, os deuses – que antes eram considerados aqueles que determinavam as condições da vida humana – começaram a perder espaço e força, surgindo assim as condições propícias ao nascimento da Filosofia. Essas condições, do ponto de vista político, foram únicas na Grécia e não tiveram similar entre outros povos da Antiguidade.
Fatores econômicos: Determinadas cidades gregas deixaram de ser somente agrícolas para se transformarem em fortes centros comerciais e com uma indústria artesanal importante. Nesse período, surgiram diversos centros econômicos, em especial nas colônias jônicas e na cidade de Mileto. Embora nessas localidades a agricultura se mantivesse como uma importante atividade econômica, em pregando uma grande parcela da população, setores como o comércio e a manufatura se tornavam fortes. Por causa das atividades comerciais, os gregos empreenderam viagens marítimas que favoreceram o contato com culturas de outros povos e o conhecimento de novas realidades, o que gerou um processo de crítica à sua própria cultura. As cidades comerciais gregas cresceram e os comerciantes e artesãos ricos começaram a concentrar em suas mãos o poder econômico (que antes estava nas mãos da nobreza, dona das terras). As famílias abastadas dos comerciantes questionaram os valores religiosos, a cultura e as idéias míticas que estavam culturalmente relacionadas à nobreza agrícola e, para mostrarem sua força, começaram a promover as artes, novos conhecimentos e tecnicas. Esses fatores colaboraram para o nascimento da Filosofia e o rompimento com a tradição mítica.
Fatores culturais: o primeiro traço da cultura grega que é importante ressaltar é a criação do alfabeto grego. Os gregos se apropriaram do alfabeto fenício no século VIII a.C., introduziram modificações essenciais e criaram um alfabeto para exprimir o pensamento não em símbolos, mas em palavras. Isso permitiu uma grande variedade de formas e combinações para expressar as idéias abstratas e racionais. Esse alfabeto permitiu que as pessoas aprendessem a ler e a escrever com mais rapidez e eficácia. Influenciou também o surgimento da literatura grega com a obra literariamente extensa e sofisticada de Homero e, depois, de Hesíodo. Os poemas de Homero, A Ilíada e A Odisséia, e o poema de Hesíodo, Teogonia, deram base cultural ao pensamento filosófico grego.
Segundo os estudiosos, uma das coisas que mais chama a atenção quando se examinam os poemas de Homero e de Hesíodo é que, embora sejam férteis em situações e acontecimentos imaginativos (com relatos fantasiosos), existe por trás da narrativa uma tentativa de explicar os deuses, a natureza a vida de forma racional e harmônica – o que deu substrato cultural ao pensar filosófico. Ambos os poetas estruturaram o mundo grego de forma coerente e buscaram as razões e as causas para o que ocorria na realidade, embora o fizessem de forma mítica. Eles realizaram uma tentativa de explicar a origem, a ordem e os caos, o cosmo e a totalidade das coisas por meio de um sistema orgânico. Esse modo poético-mítico de buscar a explicação e a causa dessas coisas levou os gregos a busca filosófica racional dos fundamentos, das razões, dos princípios, dos porquês. Embora Tales, Anaximandro e Anaxímenes substituíssem a narração mítica por uma teoria racional do cosmo e da physis, eles conservaram os elementos, os temas e as categorias encontradas nas estruturas do naturalismo desses poetas.
Fatores religiosos: É importante lembrar que fatores religiosos também influenciaram o nascimento da Filosofia, que não surgiu completamente independente da estrutura religiosa existente. Na religião, tal qual arquitetada por Homero e Hesíodo, encontrava-se a idéia de que toda a natureza e a sociedade são reguladas pelos deuses. Em suas obras aparece uma tentativa de explicar o funcionamento da natureza e da sociedade por um sistema único e coerente. É possível perceber um processo de racionalização do mito, ou seja, o mito aparece como uma primeira tentativa de compreender o cosmo.
O fato de que os gregos não tiveram uma estrutura religiosa rígida e hierarquizada – e de que não havia um livro sagrado inquestionável ou uma teologia dogmática – permitiu uma maior liberdade de pensamento. O povo grego não devia obediência cega ao poder religioso, o que favoreceu a especulação filosófica e a ruptura com o sistema mítico.
Ainda no campo religioso, deve-se citar a religião grega órfica como um dos fatores relacionados ao nascimento da Filosofia. O orfismo introduziu na civilização grega, a partir dos séculos VII e VI a.C., uma nova visão da realidade e da existência humana, um novo sistema de crença. Para os gregos, a partir de Homero, a alma era apenas uma sombra, quase sem identidade: o orfismo admitia a imortalidade individual da alma e apresentava uma concepção de homem dividida entre corpo e alma, o que seria marcante na Filosofia platônica e teria influencia em todo o pensamento ocidental.
O sistema de pensamento órfico tinha crenças que foram profundamente importantes para a Filosofia: 1) o ser humano possui uma alma divina que caiu em um corpo por causa de uma culpa original; 2) essa alma é preexistente ao corpo, é eterna e está destinada a reencarnar em várias vidas até se purificar de sua culpa e libertar-se da prisão do corpo; 3) uma vida de bem-aventuranças aguarda no além-túmulo a alma que se purificou; 4) para ganhar a liberdade, a alma deve ter na terra uma vida de bondade, de justiça e de ascetismo.
As filosofias de Pitágoras, Sócrates e Platão assimilaram diversos aspectos do orfismo, o que representou uma ruptura em relação ao pensamento mítico, mas guardou elementos de racionalização que já estavam presentes no pensamento religioso.
Resumindo: o nascimento das cidades-estados e o nível de bem-estar material atingido pelas colônias gregas – somado as condições de racionalização presentes em diversos aspectos culturais e ao clima de liberdade política e religiosa – propiciaram ambiente para o surgimento da busca racional de explicação da origem do mundo, do desenvolvimento da natureza, do processo pelo qual as coisas se constituem, realizada pelos primeiros filósofos gregos.
Os principais pensadores deste primeiro período da Filosofia foram Tales de Mileto, Anaximandro, Anaxímenes e Heráclito de Éfeso, representantes da escola jônica; Pitágoras de Samos, representante da escola itálica; Parmênides e Zenão, representantes da escola Eleata; e Empédocles, Demócrito de Abdera e Leucipo de Abdera, representantes da escola atomista. Todos esses filósofos, conhecidos como pré-socráticos, romperam com as explicações míticas para a origem do Universo e buscaram formular uma cosmologia naturalista, ou seja, uma abordagem que explicasse o Universo por causas naturais, encontrando os seus elementos constitutivos. Tales de Mileto considerava que o elemento primordial do todo seria a água; para Anaximandro, o Universo seria constituído de uma matéria de extensão infinita, mas invisível aos nossos sentidos; para Anaxímenes, o elemento fundamental seria o ar; Heráclito de Éfeso concebeu a natureza como um devir permanente. Já Parmênides e seu discípulo Zenão defendiam um Universo de essência permanente, com leis imutáveis, ode o movimento seria uma ilusão. E, por fim, a escola atomista foi predecessora das concepções da Física contemporânea, em que o cosmo seria feito de partículas atômicas e vazios.
Original foi também a doutrina de Pitágoras, de que sabemos muito pouco, pela escassez de documentos. Conta-se que foi ele quem primeiro chamou a Filosofia por esse nome. Como matemático, astrônomo, músico e místico, suas idéias cosmológicas se ligavam a essas áreas: considerava que tudo no Universo era composto de números, que do Uno inicial havia se derivado os números subseqüentes e que as esferas do espaço se moviam em harmonia. Pitágoras, no entanto, diferentemente dos outros contemporâneos seus aqui citado, não tinha apenas uma doutrina cosmológica, mas também uma proposta ética. Seus discípulos eram vegetarianos, viviam em comunidades igualitárias e desempenhavam papéis políticos de contestação a tirania. As idéias de Pitágoras tiveram forte influencia sobre Platão.

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