A partir de Aristóteles, a tradição filosófica considerou
como filósofos os primeiros pensadores gregos, que apareceram no início do
século VI a.C. no litoral das colônias da Ásia menor, mais precisamente na
cidade de Mileto: Tales, Anaximandro e Anaxímenes. É difícil apontar as causas
do nascimento da Filosofia na Grécia antiga, já que existem várias explicações
diferentes e até mesmo divergentes. Mas as perguntas que geralmente se faz são:
quais foram as condições históricas e culturais que proporcionaram o surgimento
da Filosofia nas colônias gregas asiáticas? Por que ela não nasceu em qualquer
outro lugar? Não é possível citar todos os fatores que respondem a elas, mas
podemos apontar alguns que certamente foram essenciais.
Fatores políticos: Entre os séculos VIII e VII a.C., as
tribos e os vilarejos gregos se organizaram em pequenas cidades-estados,
denominadas pólis, politicamente autônomas e independentes entre si, e em
constantes relações de amizade ou de guerras ferozes. Embora do ponto de vista
político não houvesse um poder grego centralizador, essas comunidades, em sua
maioria, preservavam uma identidade grega no que se refere à arquitetura, ao
planejamento urbano, ao idioma, à literatura e à religião. A pólis, desde o seu
início, foi marcada pela vida social e pelas relações políticas entre os
homens. Pode-se dizer que os gregos tinham um grande senso comunitário. Os
cidadãos participavam da criação das leis e da vida pública, conquistando
direitos políticos. Nesse contexto, destaca-se uma extraordinária presença da
palavra como instrumento de participação política. Isso alimentou um ambiente
de discussão, de argumentação e de persuasão racional entre os cidadãos.
O cidadão passou a ser respeitado e valorizado em seu
discurso, em seu pensamento e em sua participação. Com isso, os homens puderam
tomar decisões justificadas racionalmente, explicar os motivos de sua ação e
dialogar sobre as coisas. Os gregos contavam assim com uma maior liberdade
política em relação aos povos orientais. Eles se constituíram como o primeiro
povo a criar instituições políticas livres e a adotar sistemas de discussões
abertas. Com a grande liberdade de pensamento, expressão e decisão por parte
dos homens sobre os rumos de sua existência, os deuses – que antes eram
considerados aqueles que determinavam as condições da vida humana – começaram a
perder espaço e força, surgindo assim as condições propícias ao nascimento da
Filosofia. Essas condições, do ponto de vista político, foram únicas na Grécia
e não tiveram similar entre outros povos da Antiguidade.
Fatores econômicos: Determinadas cidades gregas deixaram
de ser somente agrícolas para se transformarem em fortes centros comerciais e
com uma indústria artesanal importante. Nesse período, surgiram diversos
centros econômicos, em especial nas colônias jônicas e na cidade de Mileto.
Embora nessas localidades a agricultura se mantivesse como uma importante
atividade econômica, em pregando uma grande parcela da população, setores como
o comércio e a manufatura se tornavam fortes. Por causa das atividades
comerciais, os gregos empreenderam viagens marítimas que favoreceram o contato
com culturas de outros povos e o conhecimento de novas realidades, o que gerou
um processo de crítica à sua própria cultura. As cidades comerciais gregas
cresceram e os comerciantes e artesãos ricos começaram a concentrar em suas
mãos o poder econômico (que antes estava nas mãos da nobreza, dona das terras).
As famílias abastadas dos comerciantes questionaram os valores religiosos, a
cultura e as idéias míticas que estavam culturalmente relacionadas à nobreza
agrícola e, para mostrarem sua força, começaram a promover as artes, novos
conhecimentos e tecnicas. Esses fatores colaboraram para o nascimento da
Filosofia e o rompimento com a tradição mítica.
Fatores culturais: o primeiro traço da cultura grega que
é importante ressaltar é a criação do alfabeto grego. Os gregos se apropriaram
do alfabeto fenício no século VIII a.C., introduziram modificações essenciais e
criaram um alfabeto para exprimir o pensamento não em símbolos, mas em
palavras. Isso permitiu uma grande variedade de formas e combinações para
expressar as idéias abstratas e racionais. Esse alfabeto permitiu que as
pessoas aprendessem a ler e a escrever com mais rapidez e eficácia. Influenciou
também o surgimento da literatura grega com a obra literariamente extensa e
sofisticada de Homero e, depois, de Hesíodo. Os poemas de Homero, A Ilíada e A
Odisséia, e o poema de Hesíodo, Teogonia, deram base cultural ao pensamento
filosófico grego.
Segundo os estudiosos, uma das coisas que mais chama a
atenção quando se examinam os poemas de Homero e de Hesíodo é que, embora sejam
férteis em situações e acontecimentos imaginativos (com relatos fantasiosos),
existe por trás da narrativa uma tentativa de explicar os deuses, a natureza a
vida de forma racional e harmônica – o que deu substrato cultural ao pensar
filosófico. Ambos os poetas estruturaram o mundo grego de forma coerente e
buscaram as razões e as causas para o que ocorria na realidade, embora o
fizessem de forma mítica. Eles realizaram uma tentativa de explicar a origem, a
ordem e os caos, o cosmo e a totalidade das coisas por meio de um sistema
orgânico. Esse modo poético-mítico de buscar a explicação e a causa dessas
coisas levou os gregos a busca filosófica racional dos fundamentos, das razões,
dos princípios, dos porquês. Embora Tales, Anaximandro e Anaxímenes
substituíssem a narração mítica por uma teoria racional do cosmo e da physis,
eles conservaram os elementos, os temas e as categorias encontradas nas
estruturas do naturalismo desses poetas.
Fatores religiosos: É importante lembrar que fatores
religiosos também influenciaram o nascimento da Filosofia, que não surgiu
completamente independente da estrutura religiosa existente. Na religião, tal
qual arquitetada por Homero e Hesíodo, encontrava-se a idéia de que toda a
natureza e a sociedade são reguladas pelos deuses. Em suas obras aparece uma
tentativa de explicar o funcionamento da natureza e da sociedade por um sistema
único e coerente. É possível perceber um processo de racionalização do mito, ou
seja, o mito aparece como uma primeira tentativa de compreender o cosmo.
O fato de que os gregos não tiveram uma estrutura
religiosa rígida e hierarquizada – e de que não havia um livro sagrado
inquestionável ou uma teologia dogmática – permitiu uma maior liberdade de
pensamento. O povo grego não devia obediência cega ao poder religioso, o que
favoreceu a especulação filosófica e a ruptura com o sistema mítico.
Ainda no campo religioso, deve-se citar a religião grega
órfica como um dos fatores relacionados ao nascimento da Filosofia. O orfismo
introduziu na civilização grega, a partir dos séculos VII e VI a.C., uma nova
visão da realidade e da existência humana, um novo sistema de crença. Para os
gregos, a partir de Homero, a alma era apenas uma sombra, quase sem identidade:
o orfismo admitia a imortalidade individual da alma e apresentava uma concepção
de homem dividida entre corpo e alma, o que seria marcante na Filosofia
platônica e teria influencia em todo o pensamento ocidental.
O sistema de pensamento órfico tinha crenças que foram
profundamente importantes para a Filosofia: 1) o ser humano possui uma alma
divina que caiu em um corpo por causa de uma culpa original; 2) essa alma é
preexistente ao corpo, é eterna e está destinada a reencarnar em várias vidas
até se purificar de sua culpa e libertar-se da prisão do corpo; 3) uma vida de bem-aventuranças
aguarda no além-túmulo a alma que se purificou; 4) para ganhar a liberdade, a
alma deve ter na terra uma vida de bondade, de justiça e de ascetismo.
As filosofias de Pitágoras, Sócrates e Platão assimilaram
diversos aspectos do orfismo, o que representou uma ruptura em relação ao
pensamento mítico, mas guardou elementos de racionalização que já estavam
presentes no pensamento religioso.
Resumindo: o nascimento das cidades-estados e o nível de
bem-estar material atingido pelas colônias gregas – somado as condições de
racionalização presentes em diversos aspectos culturais e ao clima de liberdade
política e religiosa – propiciaram ambiente para o surgimento da busca racional
de explicação da origem do mundo, do desenvolvimento da natureza, do processo
pelo qual as coisas se constituem, realizada pelos primeiros filósofos gregos.
Os principais pensadores deste primeiro período da
Filosofia foram Tales de Mileto, Anaximandro, Anaxímenes e Heráclito de Éfeso,
representantes da escola jônica; Pitágoras de Samos, representante da escola
itálica; Parmênides e Zenão, representantes da escola Eleata; e Empédocles,
Demócrito de Abdera e Leucipo de Abdera, representantes da escola atomista.
Todos esses filósofos, conhecidos como pré-socráticos, romperam com as
explicações míticas para a origem do Universo e buscaram formular uma
cosmologia naturalista, ou seja, uma abordagem que explicasse o Universo por
causas naturais, encontrando os seus elementos constitutivos. Tales de Mileto
considerava que o elemento primordial do todo seria a água; para Anaximandro, o
Universo seria constituído de uma matéria de extensão infinita, mas invisível
aos nossos sentidos; para Anaxímenes, o elemento fundamental seria o ar;
Heráclito de Éfeso concebeu a natureza como um devir permanente. Já Parmênides
e seu discípulo Zenão defendiam um Universo de essência permanente, com leis
imutáveis, ode o movimento seria uma ilusão. E, por fim, a escola atomista foi
predecessora das concepções da Física contemporânea, em que o cosmo seria feito
de partículas atômicas e vazios.
Original foi também a doutrina de Pitágoras, de que
sabemos muito pouco, pela escassez de documentos. Conta-se que foi ele quem
primeiro chamou a Filosofia por esse nome. Como matemático, astrônomo, músico e
místico, suas idéias cosmológicas se ligavam a essas áreas: considerava que
tudo no Universo era composto de números, que do Uno inicial havia se derivado
os números subseqüentes e que as esferas do espaço se moviam em harmonia.
Pitágoras, no entanto, diferentemente dos outros contemporâneos seus aqui
citado, não tinha apenas uma doutrina cosmológica, mas também uma proposta
ética. Seus discípulos eram vegetarianos, viviam em comunidades igualitárias e
desempenhavam papéis políticos de contestação a tirania. As idéias de Pitágoras
tiveram forte influencia sobre Platão.
0 comentários:
Postar um comentário